“Ele era mais bonito
do que as palavras podiam exprimir, e Aschenbach sentiu dolorosamente, como
tantas vezes antes, que a linguagem pode apenas louvar, mas não reproduzir, a
beleza que toca os sentidos. (...) Tadzio sorriu... E recostando-se, com os
braços caídos, transbordando de emoção, tremendo repetidamente, segredou a
formulação tradicional do desejo - impossível, absurda, abjeta, idiota, mas
sagrada, e mesmo neste caso honrada: ‘Amo-te!’”
São os primeiros anos do século 20... o escritor alemão
Gustav Aschenbach, em uma grave crise de depressão após a morte da filha ainda
criança, do esfriamento se sua relação com a esposa, além de se encontrar em uma
crise de criação artística, decide tirar férias e parte para Veneza.
Considerado um dos mais importantes escritores de seu país, inclusive laureado
com título de nobreza, Aschenbach representa (e se considera) o modelo do
artista rigoroso, racional, ascético, obcecado com a perfeição da forma e a
beleza ideal. Ele acredita que em Veneza reencontrará seu caminho, tanto no
aspecto artístico, quanto no pessoal.
Ao chegar à cidade italiana (a materialização do ideal de
beleza, segundo Aschenbach) hospeda-se em um luxuoso hotel à beira-mar. Entre
os hóspedes encontra o adolescente Tadzio, cuja beleza física irá superar, aos
poucos, o ideal da arte de Aschenbach. Fascinado pela perfeição do jovem, o
escritor irá sucumbir a uma paixão platônica que o levará, pouco a pouco, à
ruína.
Combinando reminiscências da cultura greco-romana com a ideia
de decadência que dominava a Europa às vésperas da Primeira Guerra, Thomas Mann
condensa em Morte em Veneza algumas questões fundamentais: a tensão entre o ideal
artístico e o mundo natural e real, a luta obcecada contra a passagem do tempo,
a decadência do corpo e a doença como metáfora de um mundo em agonia.
Na adaptação do romance para o cinema, Visconti faz o que eu
considero a “sacada de gênio” (rs): Aschenbach, ao invés de escritor, é um
músico e compositor erudito. Toda a trilha sonora é baseada na obra do grande
(e põe grande nisso! rs) Gustav Mahler, o que, aliado à estética inconfundível
de Visconti, tornará seu filme a grande obra de arte que é! E, pra não deixar
por menos, o papel do protagonista é entregue simplesmente a Dirk Bogarde.
Muito se criticou o filme por uma certa “morosidade” na
sequencia da trama, das imagens. Queriam o que? Tudo se desenrola a partir do
ponto de vista de Aschenbach, um homem solitário, angustiado, em crise,
sentindo em seu próprio corpo, tanto a decadência moral, quanto a física! Fora
a grande metáfora que ronda tudo como um espectro: a Europa, à beira da
Primeira Guerra, num processo de deterioração, simbolizado pela epidemia de
cólera que começa a impregnar Veneza. Declinar, decair, apodrecer... a cidade e
o compositor se esvaem! Tudo ao som maravilhoso e inconfundível de Mahler.
E tem a “cereja do bolo”: penso que a realização desse filme
foi a maior concentração de homossexuais por m2 da história da arte! Tudo bem
que, de todos (Visconti, Mann, Mahler, Bogarde), o único assumido era o próprio
Visconti. Entretanto, “nunca na história desse...” (rsrsrs) houve um
“casamento” nessas proporções.
Acredito que pra falar de Mahler será necessário um post à
parte (rs). Apenas gostaria de comentar que, a partir do filme de Visconti, sua
música começou a ser “popularizada” pela primeira vez. A tal ponto que muita
gente chega a confundir a história de Aschenbach (um personagem de ficção) com
a do próprio Mahler (os dois eram Gustav, né! rs). O que não deixa de ser
totalmente inverdade, pois Mahler, em uma época da vida, sofreu as mesmas
angustias e crises por que passou o personagem do filme/livro.
É o músico no filme(escritor no livro) que morre a beira da praia????
ResponderExcluirEstranho... vi semelhanças com o mundo(situação) hoje..... to surtando?
Beijos
Er... não entendi. Não dá pra saber se você tá surtando, pois não sei que associação você fez. (rs) E quem morre é Aschenbach/Bogarde, o escritor/compositor.
ExcluirMorte em Veneza é uma obra prima da literatura! Sua narrativa sobre o envelhecimento e a impossibilidade de se evitar a Morte é brilhante ! É como se fosse um corpo que se debate nas dentro da água até sucumbir ao afogamento inevitável, ou a morte!
ResponderExcluirNão é a toa que Mann coloca o escritor em Veneza para narrar seus últimos dias.
Veneza é uma cidade belíssima, mas cercada de águas escuras e um tanto fétidas.
A paixão por Tadzio é uma última tentativa para se agarrar a vida: o desejo, a paixão e contemplação do belo é o oposto a depressão e o oposto a morte.
Daí minha revolta pelo "plágio" do final da novela.
O beijo "histórico" está diretamente associado à morte.
Bjs
Falando sobre o plágio: o Walcyr plagiou apenas a forma, num conteúdo totalmente diferente. Por isso mesmo não consegui associar a ideia de morte, que está impressa no filme, com o contexto da cena da novela. Talvez ele quisesse fazer uma oposição mesmo, pois a ideia que a cena passa é mais de um nascimento (ou renascimento?) da relação pai/filho. Se foi isso, até que ficou bacana, né?! De resto, o seu comment (rs) está perfeito!
ExcluirO que o Lu falou é o que eu entendi da cena da novela - inclusive depois de ficar sabendo "de onde vinha". Então não entendi a revolta dos cultos. Achei que houve uma pequena falta de generosidade na interpretação da cena.
ExcluirMas serei honesto: a julgar somente pelo trecho que a Margot postou, o filme não me atraiu nem um bocado. Me deu mais vontade de ler o livro, pelo exposto acima, que ver o filme.
na interpretação da ideia que o autor da novela quis passar/referenciar com a cena, melhor dizendo.
ExcluirEu, como culto que sou (kkkkkk) não fiquei revoltado. Pelo contrário, eu acho super bacana esse tipo de “citação”. No mínimo demonstra que o autor que cita, além de bem informado, sabe reinterpretar o original ao citá-lo!
ExcluirRevirando o Blog do José Antônio me deparei com um Blog e uma postagem q me chamaram a atenção ... Refugiados - Morte em Veneza ...
ResponderExcluirQual é a minha surpresa qdo aqui chego ...
Maravilhado por tudo o vi por tudo o q vi por aqui ...
Beijo grande ...
fiz a mesma leitura da cena da novela q vc fez, Luiz Carlos ...
ExcluirBom... como minha quota de surtos já está esgotada nessa semana eu não vou me alongar nas interpretações... só vou dizer que concordo contigo! :P
ResponderExcluirAgora fico pensando na emoção que deve ser ouvir essa sinfonia ao vivo, em um lugar como a Sala São Paulo...
Fiote... pois eu já ouvi!!! Década de 70, em pleno Teatro Municipal, com a Orquestra Sinfônica de Israel, comandada, na época, pelo grande Zubin Mehta e... sentadinho ao meu lado (porque no colo pegaria muito mal, rs) o meu primeiro (e maior) amor! Até hoje, é só eu fechar os olhos, que dá prá sentir tudo de novo...
ExcluirOkay! Temos um vencedor!!! Nossa... eu nem tinha pensando "nisso", mas com certeza é um grande momento...
ExcluirMas sabe que o senhor me deu uma boa ideia, né?! Quem sabe... ;-)