Ontem, sem energia
elétrica e sem sinal da net (mas, graças a Deus, sem racionamento de água, que
isso é intriga da oposição, rs), vasculhando a gaveta das “tralhas” (na verdade
são algumas, perigosas gavetas), encontrei esse texto. Interessante a sensação
do distanciamento. Do texto em relação ao fato e dessa releitura agora. É tanta
névoa, tanta realidade esgarçada, perdida, solta, aprisionada, tão difícil de
recompor as exatidões (do fato e do texto), equação do tempo, que flutuou, se
perdeu e agora exige uma reconstrução. O que sou hoje, além dessa reconstrução
diária da minha história?
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Não recordo
exatamente quando ele foi embora de São Paulo. Sei que, nos meses seguintes, fui
visita-lo quatro vezes. Minha terceira ida: eu estava cheio de novidades... havia
começado o curso de economia, conseguido um trabalho muito bom, cheio de
planos. Eu queria falar de futuro. Passamos a tarde inteira caminhando e
conversando. Ele, só lembrando tudo o que havíamos vivido. Ele tinha uma
memória fantástica... descrevia detalhes, coisas que eu havia esquecido. Era
como se ele estivesse narrando um belo romance no tempo passado. E se eu
tentava contar um pouco das minhas expectativas, era envolvido em mais cenas,
que ele descrevia, da nossa história.
O que me pediam
aqueles olhos azuis, numa tarde ensolarada, nós dois, sentados num banco de uma
praça belíssima? Talvez eu soubesse. Talvez ele também. Nenhum de nós, porém,
falava o que deveria ser dito. Eu ouvia uma linda história de amor, contada pra
mim, sentida por mim em cada palavra, em cada silêncio, mas que não tinha o
poder, nem a suficiência, de criar em mim o anseio de uma história futura. Era
angustiante, nós dois sabermos, termos consciência, do que cada um queria, do
que cada um implorava ao outro... sem pedir, sem implorar... meu Deus! Por quê?!
De noite, quando
nos despedimos na rodoviária (a penúltima despedida), uma sensação de vazio
tomou conta do nosso abraço. Ele perguntou se eu voltaria. Eu disse que sim.
Ele perguntou se eu ainda gostava dele. Eu disse que sim. Ele encostou sua cabeça
em meu peito (consigo sentir ainda agora). Sem palavras, minhas conexões
neurais (malditas!) restabelecendo agora todas as imagens. Eu podia ter falado
qualquer coisa... pedido um tempo, prometido algo, uma palavra de esperança, um
sinal qualquer de que ainda havia algo como “uma nossa história” a ser
escrita... mas, nada. Ele também se calou.
Quando o ônibus partiu,
pela janela o vi de cabeça baixa. Recostei-me na poltrona e dormi. A ultima vez
que nos vimos, foi quase um ano depois. Não sei se quero, ou tenho capacidade,
hoje, de escrever como aconteceu. Melhor não. Hoje escolho não escrever. Hoje
escolho sequer pensar a respeito. Escolhas... talvez nossa única prerrogativa
na vida. Escolher caminhos, escolher questões, respostas, esboços, ao vagar dos
ventos e dos pensamentos.
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Essa música, céus!
Glen Hansard. Acho uma boa escolha pra ilustrar esse post...
Você é hoje a página onde se desenhará o você de amanhã.
ResponderExcluirInteressante de verdade quando nos damos conta de que algo, um dia tão precioso, com o tempo deixou de sê-lo. Por isso a importância da atenção com as coisas enquanto a importância delas é presente. No mínimo serão boas memórias no futuro.
Talvez sejamos, hoje, somente a coleção de memórias que guardamos. Por isso nossa ânsia em desenhar melhor as próximas páginas...
Ah! Nós e nossas escolhas ... a escolha foi feita na época ... agora não cabe mais rever isto ... é fato q podemos trazê-las à tona novamente como alimento para nossas novas e atuais escolhas ... certas ou erradas foram nossas escolhas ... agora é procurar fazer as escolhas q julgamos mais certas, podendo acertar ou errar ... Bora viver meu caro ... o presente ... o passado passou e o futuro não sabemos se teremos ...
ResponderExcluirA sabedoria do Edu me pegou aqui agora: "Você é hoje a página onde se desenhará o você de amanhã. "
Beijão
"Há um véu de silêncio entre nós.
ResponderExcluirCoisas não ditas que se pressentem.
Não é um silêncio magoado ou ferido.
Apenas um receio de cruzar linhas por onde já fizemos equilibrismo.
Ambos sabemos que não vamos atravessá-las.
Mas os dois acarinhamos esse futuro que não tivemos,
como memória intocável e pura".
Teu belo texto me lembrou isso... e assim, não dá para não ficar indiferente a ele...
Confesso que tenho um pouco de medo do meu amanhã...
Enfim... Abração.
Seu belo texto me fez lembrar de alguma escolhas erradas que eu fiz na vida... ligado à pessoas que gostaram de mim mas que eu não senti o mesmo! No entanto foram escolhas e pronto. nada de chorar pelo leite derramado.
ResponderExcluirO que eu mais gostei é que você se mostra totalmente em seus textos e coloca as palavras no lugar certo.
Parabens!!!
O tempo realmente tem o poder de mudar muita coisa, o tempo tem o poder de colecionar nossas histórias, que juntas formam mesmo o que somos e as escolhas que tomamos.
ResponderExcluirAbraço !!
Ele parece diferente até pra mim, que não participei(obvio), mas já o conhecia. Talvez seja a bendita reflexão inconsciente maturada. As coisas, os fatos, as histórias perdem sua carga dramática e se tornam só uma estória. Uma estória de inocência, de ilusão...de esperança.
ResponderExcluirA sua estória...a minha estoria...a estoria de vocês.... o passado.....