Depois de quase 1 ano, eis que assisti The Normal Heart. Estava com ele desde que foi lançado, mas algo não me encorajava a ver. Talvez as leituras das resenhas, análises, críticas, algumas bem opostas entre si. Talvez o tema central, a AIDS. Para quem viveu naquela época (início dos anos 80), é meio como rever todos os medos, angustias, os fantasmas (senti assim em Philadelphia). E o filme retrata exatamente isso: o fim do sonho da liberdade sexual, duramente conquistada nas décadas anteriores, a volta dos preconceitos (carregados agora com os estigmas visíveis pelo corpo dos doentes), o acirramento dos discursos religiosos contra os homossexuais, enfim, era como “a volta do cipó de aroeira”, mas não no lombo de quem sempre mandava dar. (Aroeira – Geraldo Vandré... rs)
Aliás, uma das sensações que eu tive na época do surgimento
dos primeiros casos noticiados foi a do “pêndulo das liberdades”. Como nunca
acreditei em evolução dos costumes (na verdade não creio em nenhuma forma de
evolução, quer seja cultural, científica, filosófica... vejo a história da
humanidade como uma sucessão de epistemologias, que nascem da sua própria
possibilidade e depois, com o tempo, acabam por implodir, dando lugar a outra
forma sistêmica, descontinuamente) era uma nova onda conservadora na sequência
de outra liberalizante. Er... esse assunto é complexo demais... voltemos ao
filme! (rs)
Não vou me ater ao enredo, pois acredito que todos já viram,
nem às maravilhosas interpretações dos atores (pois é, bons atores, boa grana,
bom enredo, bom diretor, fórmula quase certa de sucesso). Quero apenas comentar
sobre um aspecto que apareceu quase como unanimidade nas críticas que li, mas
que, ao contrário, foi um dos que mais apreciei. Refiro-me ao que os críticos
classificaram como excesso de dramaticidade. Um exemplo: “Um dos maiores erros
da produção, nesse sentido, é a direção de Ryan Murphy. Tudo bem que uma parte
é implicância minha, mas alguns momentos, como o do casamento, são extremamente
levados para um lado dramático exagerado. Não que a cena não comova, muito pelo
contrário, mas parece que tudo gira em torno disso, perdendo a essência,
perdendo a verdadeira função por trás de tudo.” (Igor Pinheiro – Ccine)
Perdendo a essência?! Perdendo a verdadeira função por trás
de tudo?! Devo ser um romântico incorrigível! Pra mim a presença do amor
romântico entre o casal Ned Weeks e Felix Turner (Matt Bomer é o que há, né?!
rs) se constituiu num contraponto humanizante, esse sim essencial, no meio daquela
tragédia toda. E mesmo o “amor recolhido” do Jim Parsons pelo Mark Ruffalo contribui para deixar que transpareça humanidade, entre sarcomas, pneumocystis, etc.
Cenas cruéis, rudes, chocantes, há aos montes, e são essenciais, sem dúvida.
Entretanto, ouso dizer (talvez de um ponto de vista de hoje) que, não fosse a
presença dos verdadeiros laços de amor, em todos os níveis e sentidos, o cipó
da aroeira teria machucado muito mais.
Sem correr o risco de ser spoiler (rs), algumas cenas maravilhosas:
aquele baile com The Gay Men’s Chorus cantando The Man I Love, de arrepiar... e
a sequência final, culminando com outro baile, agora com The Only Living Boy in
New York. Nem preciso dizer, né... acho que no dia em que assisti, o nível do
Cantareira subiu 1 ponto percentual! (rs)