Estudos “duplo-cegos” são ensaios clínicos realizados em
seres humanos, cujo propósito é o de averiguar a eficácia de um medicamento/tratamento
em determinada patologia. Sua característica principal (e que define a sua “cientificidade”)
é que, nem os sujeitos testados (o “objeto” de estudo), nem os sujeitos
testadores (os médicos e/ou pesquisadores) sabem o que está sendo utilizado
como substância de teste no estudo. Em geral temos 2 grupos: um que recebe o medicamento
com a substância ativa que se quer testar e outro que recebe uma substância
inerte... o placebo.
O escopo dessa forma de fazer ciência reside na exclusão de
qualquer traço de subjetividade que pudesse acontecer (especialmente a que
poderia existir na relação médico/paciente), para “garantir” a eficácia
terapêutica de determinado medicamento/tratamento. Com o passar do tempo, e
para se corrigir possíveis interferências da equipe (fragilidades científicas?
rs) que avalia as estatísticas resultantes dos estudos, foram configurados os
estudos “triplo-cegos”. Sua peculiaridade consiste em “agregar” ao estudo a ausência
de conhecimento também por parte da equipe estatística que realizará a análise e
que receberá os dados apenas como tratamento A e tratamento B.
Pergunta: a medicina que “exclui” a subjetividade da relação
médico/paciente passa a ser, automaticamente, mais curativa? Ou ainda: o
objetivo da medicina é curar, ou apenas saber sobre os efeitos de determinado
medicamento/tratamento? Ou um pouco mais (rs): qual o medo do “efeito” da
figura do médico no processo curativo? Quem tem esse medo?
Esse foi o tema de minha aula de ontem. Pela primeira vez as
discussões tomaram mais tempo que a minha exposição. Interessante que, mesmo em
uma turma que, em tese, pratica uma medicina mais “humanista”, o tema
subjetividade parece ter um peso significativo, enquanto fragilidade
científica. Aliás, os mais “espertinhos” (rs) quiseram ressaltar que as aulas
precedentes discutiam justamente sobre a interferência negativa da
subjetividade nos critérios científicos. Eles não haviam percebido que tínhamos
mudado de foco: da ciência que “descreve e informa”, para a que cura. E, mesmo
sobre o conceito de subjetividade que, no que se refere ao ato de curar, diz
respeito à relação fundamental que se estabelece entre o médico/curador e o
paciente que sofre.
Como é difícil demonstrar para quem, depois de anos de “treinamento”
em fórmulas e conceitos objetivantes da medicina, que é sempre de um modo
bastante artificial que dispersamos a doença em sintomas ou a abstraímos
daquele que sofre, o doente. O que é um sintoma, sem contexto, ou um pano de
fundo? O que é uma complicação, separada daquilo que ela complica? Quando
classificamos como patológico um sintoma ou um mecanismo funcional isolados,
esquecemos que aquilo que os torna patológicos é sua relação de inserção na
totalidade indivisível de um sujeito. E essa “totalidade” só se torna acessível
na medida em que o médico, transmutado em curador, consegue, mesmo que
levemente, penetrar na história e na “alma” do seu paciente.
A medicina só existe porque há pessoas que se sentem doentes!
E que “acreditam” que alguém, o médico, tem o poder de aliviar as suas
aflições. O doente é que concede esse “poder de cura” ao médico, não o
conhecimento prévio deste! A medicina que cura, então, não deve ser entendida
apenas como um conjunto de procedimentos científicos criados para informar aos
indivíduos que eles estão doentes, ou como estão doentes. É na relação que se
estabelece entre o médico e o paciente que a cura deve ser encontrada... por
ambos!
Essa discussão continuou no almoço que, gentilmente, me foi
presenteado... como adoro meus amiguinhos de branco! (rs)
Putz! q maravilha de post filosófico ... que devate rico ... parabéns ...
ResponderExcluirUia.... queria ter visto essa aula, alias... imagino que as aulas devam render bastante pela "amostra gratis" que eu já tive. Interessante como as pessoas só sabem trabalhar nos extremos, não?! Tudo precisa ser de uma dualidade... é bom, não é bom, ajuda/não ajuda e por ai vai.
ResponderExcluirAbração e boa semana!