Acho no mínimo interessante (ou é engraçado?) essa discussão
sobre o que seria mais “correto” em termos de denominação conceitual:
homossexualidade, ou homossexualismo. Entendo a carga, digamos, patologizante
(esse povo de branco, que adora impor conceitos), que vem associada ao sufixo
“ismo”. O que, se pensarmos bem, não quer dizer muita coisa, dado que o uso,
per se, desse sufixo, não é condição, a priori, de estarmos falando sempre sobre
doença. Vide impressionismo, cristianismo, automobilismo, jornalismo, etc. Mas,
relevemos tudo isso, mesmo porque não é sobre isso que quero falar.
Eu poderia começar pela pergunta: o que é doença? Melhor
não; seria maldade demais, visto que esta questão, apesar de ser a mais
fundamental para a medicina, é a mais controversa e a de menor consenso. Talvez
uma pergunta (a partir de um exemplo) mais fácil: alcoolismo é doença? Acredito
que a resposta, mesmo para não médicos, seja bem consensual: sim. Eu,
entretanto, responderia: depende. Lembrando que estou me lixando para a palavra,
devidamente sufixada pelo fatídico ismo. Vamos ver se consigo me fazer entender
(nos últimos tempos isso anda bem difícil - talvez por um problema só meu, em decorrência
da minha fase da PVC, rs).
Um grande médico e filósofo, Georges Canguilhem, disse o
seguinte: “Saúde não é a ausência da doença. Ter saúde é poder se dar ao luxo
de ficar doente! Ambas, a saúde e a doença, situam-se no campo da normalidade,
pois não há vida sem norma”. Traduzindo (rs): todo ser vivo, enquanto em interação
entre os componentes/sistemas externos que o cercam (ambiente, família, escola,
emprego, etc.) e os internos (físico, psíquico, emocional, etc.) está
constantemente “produzindo normas”, ou seja, reagindo, se adaptando,
encontrando atalhos, se reconstruindo, etc. E nesse processo, que é exatamente a
vida, ele se confrontará, necessariamente, com momentos de instabilidade, de
desregulação... de diminuição da tal produção de normas. E isso é algo
absolutamente normal, pois faz parte do jogo que chamamos vida.
Um exemplo (citado pelo próprio Canguilhem) para ilustrar:
você toma algo gelado, uma bebida, um sorvete e, eventualmente, fica com a
garganta inflamada. Após um ou dois dias, os sintomas desaparecem e você se sente
curado. Isso tem um significado: você é uma pessoa com saúde, pois foi capaz
de, em confronto com uma instabilidade (a inflamação), criar meios (normas),
que o fizeram enfrentar e solucionar esse problema. Indo um pouco além: você é
normal (normativo), dado que você podia enfrentar a instabilidade/doença, antes
mesmo de ter se visto em confronto com essa situação.
Por outro lado, se você é o tipo de pessoa que não pode, de
forma alguma, tomar algo gelado ou fazer qualquer outra coisa do gênero, fora
de um “padrão muito rígido de comportamento” (pois isso acarretaria,
certamente, no confronto de alguma instabilidade de difícil solução), então
você é doente, independente e anterior a qualquer coisa/fato localizado fora do
seu rígido padrão (no exemplo, o tomar algo gelado). Dá pra entender? É mais ou
menos isso o que se quer expressar com o famoso jargão: o que importa é o
doente e não a doença. Canguilhem reforçaria: não existe uma “entidade” chamada
doença; quem produz a doença é o doente, esse ser restrito em sua capacidade de
produzir novas normas de vida.
Voltemos ao álcool (o do texto, não o “real”, pois eu sou um
bom exemplo de incapacidade em criar normas frente ao dito cujo, rs): só é
alcoólico (o povo de AA não gosta da palavrinha “alcoólatra”...
idiossincrasias, quem não as tem!) aquele que tem a constituição, a predisposição
a sê-lo. Em tom de piada poderíamos dizer que só é alcoólico quem pode, não
quem quer. Idem para a cirrose hepática (no que já está comprovado por vários
estudos recentes): não é o álcool que provoca a cirrose, mas o inverso. Não é
muito fácil de explicar isso e nem é meu objetivo, mas, tá dando pra entender a
minha intenção em tocar nesses pontos?
Pra fechar o assunto: ser homossexual é patológico? Dá pra
prever o que eu penso, por tudo o que expus acima?
PS: Esse post é quase um adendo ao anterior (rs).