domingo, 15 de fevereiro de 2015

Beaufort



O enredo não poderia ser mais simples: 18 anos após o início da Guerra do Líbano (1982 - 2000), alguns soldados, a maioria bem jovem e com pouca experiência militar, guardam o lendário forte de Beaufort (localizado na fronteira entre Israel e Líbano), construído durante a idade média, nos tempos das Cruzadas. Sua “missão” é pura e simplesmente manter domínio sobre esse posto, alvo sistemático de bombardeios do Hezbollah, que, diga-se de passagem, ocorrem quase sempre a esmo. A grande questão que se coloca, em princípio, é a falta de motivos por ainda não terem cruzado a fronteira, deixando tudo pra trás, e voltado pra casa, visto que a guerra está praticamente terminada. É isso! Desanimador para quem se dispõe a assistir 2 horas de filme lendo essa resenha, né!

Dirigido e escrito por Joseph Cedar (baseado no livro de Ron Leshem, que colaborou no roteiro do filme) somos, lentamente, envolvidos não em uma história de guerra, mas sim em diálogos e silêncios angustiantes, que revelam um drama mais psicológica do que fisicamente desgastante. Na verdade não há grandes riscos de morte para os “moradores” da muralha, a não ser por circunstâncias atípicas, mandos superiores desconexos e erros estratégicos, que levam alguns deles (o que é uma perda?) ao seu particular final. O que mais choca é sabermos, desde o início, que esse fato ocorreu na realidade... uma das ações mais absurdas e sem sentido que o exército de Israel já enfrentou, até hoje com pouquíssimas explicações dos seus verdadeiros motivos.

Porém, a intenção de Cedar vai além do fato histórico. Sua proposta é universalizar (através da impessoalidade dos protagonistas) os muitos sentimentos envolvidos em experiências de alta tensão, falta de motivação, de perspectiva... falta de sentido de humanidade. É daí que brota a despersonalização dos personagens. Não existem heróis, nem bandidos, ou figuras principais e coadjuvantes. Isso pode causar uma certa estranheza, pois estamos acostumados a nos afeiçoar a certos tipos, desgostar de outros. Em Beaufort temos dificuldade em desvendar quem é quem durante o desenrolar da trama. Então, passamos a identificar apenas sentimentos. Angústia, desespero, dor, vazio, raiva, indignação... medo. É um filme que exige uma predisposição absurda para que possamos encarar esse desfile do sombrio, do lado apavorante de estar vivo.

Certas cenas, momentos surpreendentes, conseguem nos tocar no mais fundo da nossa alma. Por vezes, no meio daquela angustiante sucessão de sem sentido, os sentimentos afloram nas superfícies pessoais (rostos, olhares, gestos, palavras, atitudes) de algum dos personagens. São momentos em que conseguimos nos identificar! É uma sensação deslumbrante! É como se nos déssemos conta que, afinal são homens, com suas cargas de anseio, com suas histórias... são pessoas que só almejam ser felizes. Entretanto, esses momentos são fugazes e, logo em seguida, nos vemos novamente mergulhados na pasta negra, da qual parece impossível se desgrudar.

Escolhi uma das cenas mais dolorosamente bela, para dar uma ideia da “vibe” (rs) que domina o filme. Após a morte de um soldado, por uma bomba que destruiu a guarita de vigia, o comandante da tropa (um jovem de 22 anos... mais uma entre tantas coisas absurdas) pede a um companheiro que cante em sua homenagem. Parêntesis: essa música foi composta por Eviatar Banai e acabou virando quase um hino, entoada nos movimentos de protesto antimilitarista, ou em funerais de soldados.

Durante grande parte do filme vemos dois soldados, trocando olhares, palavras, insinuações, mas só um olhar atento (como o meu, por exemplo, rs) consegue perceber a existência de algum sentimento maior entre eles. Lembrando que o diretor do filme não é o Eytan Fox, senão tudo ficaria bem mais evidente. É tudo muito frio, o cenário, os personagens. Um dos dois desses soldados acabou de ser estilhaçado por uma bomba e o outro, que pretensamente o amava, está ali, imóvel, mergulhado na mesma frieza. Então, pela música, a sensação de tristeza/desespero/dor pela perda desse alguém que se amava vem à tona, descontroladamente! A cena é antológica!


2 comentários:

  1. Eita que esse povo da terrinha precisa aprender um filminho com final feliz, nzé?!
    Tudo bem que se a gente considerar o Eytan Fox, tem uma baita evolução entre Yossi & Jagger e o Yossi (2012)... mas os demais... quanta "sofrência" ;-)

    Filme tenso hein... só não vou assistir por motivos de... estou precisando de histórias com final feliz! ehehehe

    Abração.

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